Série Ouro
Quinho: “Eu vou fazer o Setor 1 pular dentro daquela Avenida”
Por Jéssica Rodrigues.
Um dos mais irreverentes intérpretes do Carnaval está de volta. Fora da folia carioca desde 2015, após deixar o Salgueiro no ano anterior, Quinho promete incendiar a Sapucaí comandando o carro de som da Acadêmicos de Santa Cruz ao lado de Roninho. Em entrevista exclusiva à REVISTA CARNAVAL, ele elogiou bastante seu colega de microfone, o presidente da escola, Zezo, e acredita que a verde e branco fará um grande desfile.
REVISTA CARNAVAL – Como você se tornou intérprete?
Quinho – Por intermédio de minha mãe, em uma época bem longínqua, no extinto Boi da Freguesia da Ilha do Governador. Minha mãe também foi cantora de samba de enredo. Meu tio Aurélio sempre foi envolvido no samba. Foi mestre de bateria da União da Ilha do Governador; meu tio Antônio, diretor de Carnaval. E o mais engraçado. Meu pai era testemunha de Jeová. Como é que faz?
RC – Da estreia na União da Ilha do Governador em 1985 até hoje, o que mudou no intérprete Quinho?
Quinho – A irreverência continua a mesma. Mas à medida que a gente vai adquirindo maturidade, experiência, a gente fica menos insolente. Ou seja, fica mais benevolente, conta de um até 10. Uma pessoa que sai de uma comunidade, não para substituir, porque Aroldo Melodio é insubstituível, para estar lá, por ser nascido e criado na Ilha do Governador, e pegar um primeiro microfone em que sempre esteve um dos maiores cantantes de sambas de enredo! Aí aparece o Quinho, oriundo de um bloco para cantar o samba de uma escola de sambas antológicos cantados por Aroldo Melodia. Eu tentei fazer da forma mais simples, até porque ali havia um mito. Eu era fã dele.
RC – A maneira de interpretar samba-enredo também mudou?
Quinho – Eu tive a honra de ouvir do maior de todos os tempos, Jamelão, que Carnaval é alegria. Se tem alguém que é a cara da alegria no Carnaval, segundo o Loureiro Neto (radialista já falecido), em seu programa na Rádio Globo, é o Quinho. Eu me senti lisonjeado, porque antes me chamavam de pula-pula. Antes os intérpretes eram todos paradões. Eu não comecei um novo ciclo, eu quis fazer diferente para suprir a voz que eu não tinha. Só havia voz potente: Jamelão, Aroldo Melodia, Carlinhos de Pilares, Dominguinhos, Neguinho da Beija-Flor, Ney Vianna, Sobrinho, Quinzinho … Só tinha fera. Eu falei: tenho que fazer diferente desses caras e esses caras cantam parado. Então vou começar a pular. O Loureiro me chamava de pula-pula e depois disse que eu era a cara do Carnaval do Rio de Janeiro. Foi do cassete!
RC – Como recebeu o convite para ser intérprete da Santa Cruz?
Quinho – Eu tive outras propostas do grupo de acesso, mas o que me seduziu foi o Zezo (presidente da Acadêmicos de Santa Cruz), com o seu jeito de ser e ousadia. Ele montou um time seleto. Eu não falo nem de Quinho, que já foi campeão quatro vezes. Mas ele traz o cara que é o mago das cores, quatro vezes campeão do Grupo Especial, o Max Lopes. Pega o Ricardo, que foi da Mocidade e sabe tudo; Marquinhos, diretor de harmonia; Riquinho, ex-mestre de bateria da União da Ilha; Rogerinho, da Portela, Mocidade, Unidos da Tijuca. Cada um em seu setor. Ele não cobra nada da gente, sabe de nosso potencial. Aí vem o Quinho, junto com o Roninho, um jovem talento da Mocidade. Esse garoto é uma realidade. É só não se perder pelos caminhos que muitos estão se perdendo. Estrela está lá no céu, mas há estrela cadente. Você sobe, mas, quando desce, para voltar é muito mais difícil. Esse garoto veste a capa da humildade. Eu poderia ter vaidade e dizer: não, eu vou cantar, eu vou gravar. Mas a vida tem que ter renovação. Eu vou deixar de existir, como os grandes cantores vão deixar de existir. Se não houver renovação, vai acabar o Carnaval. Esse Roninho, esse garoto, é de ouro, simples, humilde. Eu me remeto a 1980, 1982. Tomara que eu esteja aqui para ficar batendo palmas quando o Roninho passar na Avenida e dizer: “Tive a honra de cantar contigo”. Ele vai ser um dos grandes intérpretes do Carnaval, porque aí tem um montão de enganador.
RV – Em que você acredita que a dupla com ele pode mais contribuir com a Santa Cruz?
Quinho – Nós somos uma pequena peça da engrenagem. Somos um conjunto capitaneado pelo presidente Zezo. A escola está imbuída em pensar grande. A Santa Cruz, não direi que foi roubada porque é um termo muito forte, mas já foi ludibriada. Santa Cruz já perdeu ponto por frigideira. Eu sigo a Santa Cruz desde os tempos de Aroldo Melodia. Aqui só passou fera. Eu sou uma pequena peça dessa engrenagem. Passou Carlinhos de Pilares, Aroldo Melodia e Sobrinho. Os caras cantavam demais. A Santa Cruz perdeu ponto por frigideira e a bateria nem tinha frigideira. Eu não vim para cá de férias. Eu moro na Ilha do Governador e vim aqui. Respeito é bom e eu gosto, mas, somos a segunda escola no sábado de Carnaval, vamos moer aquilo lá. Eu estou com saudade daquilo. Eu vou fazer o Setor 1 pular dentro daquela Avenida. Eu estou com muita saudade daquilo. Eu e o Roninho estamos com muita gana. Nos toliram de mostrar nosso trabalho na Sapucaí no ensaio técnico.
RV – Nos últimos anos a Santa Cruz não tem alcançado boas colocações. Você tem esperança que esse ano alcançará uma boa colocação?
Quinho – A escola está imbuída em fazer um grande Carnaval. Todos nós entramos na Avenida com todos os pontos e vamos perdendo ao longo do desfile. Isto é todas as escolas. Podem ter certeza, vamos perder o mínimo de pontos, porque somos um conjunto. Estamos imbuídos em estar em 2019 no Grupo Especial. Pode anotar.
RV – Você tem outra profissão ou se dedica exclusivamente a ser intérprete da Santa Cruz?
Quinho – Quando eu escolhi esta profissão, independente de ser puxador, cantor, intérprete, para mim, é indiferente, eu já era da ordem dos músicos como ritmista. Já toquei em grupo. Faço da música o meu trabalho e a minha arte. Tento fazer da melhor maneira possível.
RV – Já está totalmente preparado para o Carnaval ou falta algo?
Quinho – Se fosse ontem … Nunca escondi isto de ninguém, mas no dia do desfile você tem que estar preparado. Tem uma Zona Oeste todinha aguardando Quinho e Roninho, Roninho e Quinho para dar o grito de guerra lá na Avenida. É o trabalho de um ano. Gente que deixou de estar com os filhos, de estar com os netos. Tem o presidente Zezo, que correu para cá, correu para lá para arrumar os proventos para pagar os profissionais e ainda fazer o Carnaval. Então, tem que ser no respeito. Pode ter certeza, eu vou acabar com aquilo lá.
RV – O Carnaval se aproxima e você tem algum cuidado especial com a sua voz?
Quinho – É o repouso. Como uma maçã. Na sexta-feira, eu vou descansar o máximo possível. No sábado, quando for 21h, eu estou lá na Avenida tranquilo para ver se o carro de som está tudo certo, os cantores que estarão comigo, as minhas cordas, para não ficarmos na correria. Vamos fazer tudo com calma. Há um ditado: Passarinho que acorda cedo come fruta madura. Para que vai correr, se pode andar?
RV – Você tem algum ritual ou simpatia antes de entrar na avenida.
Quinho – Ah, sim! Eu sou espírita. Peço meu pai, que é Ogum, minha mãe, que é Iansã, para que tudo corra bem ao longo do desfile e que a Santa Cruz faça um grande desfile.
RV – O que a Santa Cruz pode esperar de você?
Quinho – Vou cantar, vou cantar, vou cantar até desmaiar e fazer jus ao que aquele magrinho (Zezo), que não bebe, não faz nada, mas é espetacular. Só o conhecia de nome. Que pessoa correta! Que presidente correto! Ninguém é unânime, mas que pessoa correta! Não só ele, mas a minha diretora de divulgação, os outros setores da escola. Eles nos abraçaram. Roninho não, que já é da casa. Estou chegando agora e pedi licença a ele. Dá licença, compadre? Ele disse: “Tá maluco?” Isso é legal. Descontrair os meninos que aí estão. Já passou da hora da Santa Cruz estar no Grupo Especial. Vai subir. Vai ser ruim de tirar ela de lá. Em 2019, eu não sei se vou estar na Santa Cruz, porque tem tem que abrir o precedente. O Roninho será o cantor oficial da escola, sozinho ou com outro. Mas eu quero minha camisa. Também quero passar com a Santa Cruz. Eu preciso muito ser campeão e serei.
RV – Em 2014, você foi candidato a presidência do Salgueiro e depois deixou a escola. Você se arrepende de ter disputado aquela eleição contra a atual presidente, Regina Celi?
Quinho – Não, pelo contrário. Todo mundo tem um lugar ao sol. Toda unanimidade é burra. Sou do tempo do Maninho, que não tinha eleição. Aí ele botou (Paulo César) Mangano e eu estava lá. Depois botou o Fú (Luiz Augusto Duran) e eu estava lá. Aí ele faleceu, o pai dele faleceu e a escola pegou outra diretriz. Teve uma eleição. Eu fui cabo eleitoral da atual administração. Quando eu a conheci, ela (Regina Celi Fernandes) era a primeira dama, a esposa do falecido presidente Fú. Ela teve o lugar dela, fez uma boa administração. Montou um time do caramba. Ela não, seu Miro e o Maninho montaram um time do caramba. O Fú já era para ser campeão com Candaces (2007). Mas o Carnaval, que tive a honra de cantar, o Tambor (2009) caiu no colo dela. Caiu no colo dela porque o Salgueiro já vinha perseguindo com Rio de Janeiro (2008) e com Candaces. Ela está fazendo uma boa administração. Só que eu não concordava com algumas coisas que ela fazia com a comunidade do morro do Salgueiro. Por que eu não posso me candidatar se ela se candidatou? Toda unanimidade é burra. Tem que ter a situação e as pessoas que são contrárias à situação. Se for unanimidade, vai ficar 500 anos. Depois disso, já estive três vezes na Acadêmicos do Salgueiro convidado por ela. Torço para o Salgueiro fazer um grande Carnaval, como sempre. Vesti o vermelho e branco do Salgueiro, mas ninguém é eterno. E esse ano tem eleição!
RV – Qual a sua relação com o Salgueiro hoje?
Quinho – O Salgueiro todo me ama. O Brasil todo me ama. Eu fui candidato contra ela e não teve eleição. Tinha que ter uma eleição se é uma democracia. Ela foi aclamada. Tinha que ter uma eleição para saber o que o povo pensava ou deixava de pensar. Ninguém é dono de nada. Nós estamos aqui de passagem. De repente você faz uma coisa e lá na frente não é nem lembrado pelos jovens que aí estão.
RV – Ainda pensa a voltar a cantar no Grupo Especial?
Quinho – Do jeito que está aí? Tá de sacanagem. Jamelão lá atrás cantou com 97 anos (cantou na Sapucaí até 93 anos e faleceu aos 95 anos). Como é que faz?
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