Intendente Magalhães
Curicica divulga sinopse do enredo Eu vi Deus, Ela é negra!
A União do Parque Curicica reuniu seus compositores, segmentos e comunidade em sua quadra, na terça-feira, 17 de julho, para entregar a sinopse do enredo Eu vi Deus, Ela é negra!, que a escola levará para a Passarela Popular da Intendente Magalhães no Carnaval 2019.
Acompanhado da direção da Curicica, o carnavalesco Wagner Gonçalves participou de um bate-papo descontraído com os presentes e, após a leitura da sinopse, esclareceu dúvidas sobre o enredo que homenageia as mulheres negras da periferia que, diariamente, sofrem discriminação.
Quinta a se apresentar na Passarela Popular da Intendente Magalhães, na terça-feira do Carnaval 2019, a União do Parque Curicica lutará pelo título da Série B e, consequentemente, pela única vaga de acesso à Série A em 2020.
Sinopse
Mulher negra,
Por que se esconde de mim?
Será que busco em ti um retrato
Como aqueles preto e branco
Hoje, todos coloridos.
Mulher negra
O que há em ti?
Que foge de meu olhar reducionista
Mulher e outrora negra,
Outrora lésbica, outrora albina
Mulher negra
Pensei em ti
Mas ao abrir os meus olhos
Aquele quadro que pintei
Já não existia
Mulher negra
Se espalham, se multiplicam
Dancem rap ou talvez nem dancem
E este substantivo singular
A aprisionar milhões de outras mulheres
Poderiam estar nos terreiros
Em quilombos
Nas universidades
Mas indago
Me pergunto, onde estão
As outras?
Aquelas vozes
que não foram habilitadas
Mulheres negras
São tantas, tão múltiplas
Que me inquietam
Sabe, as vezes me fazem calar
Tenho medo de falar bobagens
Quando me calo
É para que as minhas palavras
Não as sufoquem ainda mais!
(Cristiane Mare)
EU VI DEUS, ELA É NEGRA!
Vejo Asase Yaa, Samba Kalunga e Oyá a inspirar o protagonismo de mulheres da
cor de ébano, a exemplo das guerreiras que lutaram contra a escravidão. A violência não
foi somente física, mas, também, espiritual. Não bastava obter a força de trabalho em prol do projeto colonizador. A estratégia consistia em soterrar as memórias trazidas da mãe África, produzindo ESQUECIMENTO. A resistência se dava mesmo através de uma aparente sujeição, como na incorporação da religiosidade católica e a formação de
irmandades de devoção mariana, nas quais as mulheres negras desempenhavam papel
fundamental. As irmandades eram lugares de acolhimento e proteção aos irmãos,
escravizados ou libertos. Solidariedade própria às sociedades africanas! Era como se, à
sombra de um imponente Baobá, elas pudessem abrigar e cuidar de seus filhos, nutrindoos com a seiva da vida, o conhecimento ancestral. Palavra e ação em benefício das comunidades. “Egbé Gèlèdé”!
EU VI DEUS, ELA É NEGRA!
Sinto a dor dilacerante das minhas ancestrais, atadas a grilhões invisíveis, alijadas
de exercer o direito à educação. Uma luta que é de gênero, mas, também, é de cor. A cor preta nunca ocupou espaço merecido na escala cromática das carteiras escolares no Brasil.
Estudar, nessas condições, significou e continua a significar um ato de resistência. Nossas heroínas intelectuais desabrocham mesmo em terreno hostil! Várias são as mulheres negras representantes deste importante segmento, que abarca escritoras, educadoras e pesquisadoras que contribuem para o desenvolvimento do pensamento brasileiro. A palavra, aqui, é o canhão capaz de remover as barreiras erigidas pelo etnocentrismo, abrindo espaço para o avanço de uma legião de mulheres negras, ávidas em aprender para ensinar e, assim, transformar.
EU VI DEUS, ELA É NEGRA!
Ouço, por fim, vozes que falam e encantam, extravasando uma beleza singular,
que transcende o físico, propagando-se por meio de ações engajadas dentro dos
movimentos políticos, sociais e culturais. Inspiradas e inspiradoras, as Oxuns seguem
ladrilhando o caminho para as novas gerações, dando-lhes o sentimento de pertencimento; afinal, representatividade importa, sim! O labor árduo e contínuo contra o preconceito faz vítimas, que morrem, mas vivem em cada uma que fica. Assim, progressivamente, os espaços vão sendo ocupados e ressignificados. Feministas, orgulhosas de suas origens, empoderam-se para empoderar, alimentando um círculo virtuoso que, almejamos, não tenha fim. Negras e belas mulheres, PRESENTES, sempre!
Ideia original: Roberta Rosa;
Pesquisa e texto: Leonam Lauro Nunes da Silva;
Carnavalesco: Wagner Gonçalves.
Referências Bibliográficas
ARRAES, Jarid. “Heroínas Negras Brasileiras – em 15 Cordéis”. São Paulo: Pólen, 2017.
CABRAL, Sérgio. “Escolas de Samba do Rio de Janeiro”. São Paulo: LAZULI Editora / Companhia Editora Nacional, 2011.
CENTRO CULTURAL CARTOLA. Dossiê “Matrizes do Samba no Rio de
Janeiro – Partido Alto, Samba de Terreiro, Samba-Enredo”. Rio de Janeiro: Centro Cultural Cartola, 2015.
CENTRO CULTURAL CARTOLA. “A Força Feminina do Samba”. Rio de Janeiro: Centro Cultural Cartola, 2007.
COUTO, Mia. “A Confissão da Leoa”. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
DAVIS, Angela. “Mulheres, Cultura e Política”. São Paulo: Boitempo, 2017.
FERREIRA, Felipe. “O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro”. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
GIASI, Yaa. O Caminho de Casa. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2017.
MÜLLER, Maria Lúcia Rodrigues. “A cor da escola – imagens da Primeira República”. Cuiabá: Editora da UFMT/ Entrelinhas, 2008.
MUSSA, Alberto; SIMAS, Luiz Antonio. “Samba de enredo: história e arte”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
NIGZI ADICHIE, Chimamanda. Meio sol amarelo. São Paulo, 2017.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Femininos Plurais. Belo Horizonte: Editora Letramento, 2017.
SIMAS, Luiz Antonio; FABATO, Fábio. “Pra tudo começar na Quinta-Feira: o enredo dos enredos”. Rio de Janeiro: Mórula, 2015.
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